A humanidade não é um bicho fácil

(obs: antes de mimimizar sobre o desenho, leia o texto ;* )

Perto de onde trabalho tem uma doceria caseira, assim bem pequena, tanto em variedades quanto à seu espaço físico. Podem não ser os melhores bolos e tortas da cidade, mas é a única na região e tem um preço bem atraente pelas porções de "mãe" que ali são servidas. De mãe mesmo, pedaços de bolo altos, largos e caprichosamente recheados por uma média de R$3,50 (claro, se você não é de São Paulo deve estar achando caro). Um dia desses fui me dar ao luxo de comer uma gulodice na doceria, entrei, pedi um pedaço de bolo e sentei em uma das poucas mesas que ficam  no pequeno  ambiente. Optei sentar olhando para a rua e as pessoas que por ali passavam.

Na mesma rua, a menos de 30 metros desta doceria, tem uma academia. Não preciso dizer que enquanto você se acaba em um bolo-floresta-negra-cheia-de-açúcar-e-amor, pela rua às vezes passam pessoas malhadinhas com roupas de ginástica coladas, lembrando que você poderia estar comendo uma fruta saudável ao invés da bomba de açúcar que está sendo apreciada lentamente. Mas são opções na vida, não é mesmo?

E lá estava eu no meu canto, comendo o bolo e observando a vida ao meu redor quando aparecem duas mulheres. Pausa para descreve-las: 35 anos, cabelos tingidos de loiro com luzes para disfarçar a raiz preta, roupas de ginástica (claro, acabaram de sair da academia) e acima do peso.

          "O que vai ser hoje?" diz a primeira, enquanto se agacha na frente do balcão onde o bolo de doce de leite divide espaço com porções de salada de fruta.
       "Aïn amiga, acho que hoje pra mim não vai ser nada. Eu tô sem dinheiro" Diz a segunda meio infantilizada. Nota mental: quando mulher chama a outra de amiga, você sabe que nada de muito bom virá.
           "Ai deixa de ser boba, eu pago pra você" responde a primeira ainda agachada e fascinada com as opções ali expostas "Acho que eu vou tomar um cafézinho e...mmm...ah, um pão de queijo" Ela completa, dirigindo-se à balconista. "Mas esse bolo tá com uma cara boa...é do que?"
             "Chocolate recheado com doce de leite" responde a balconista.
             "É, ele tá com uma cara boa, vou querer um pedaço também"

Pausa filosófica 2:  Qual é a lógica de acabar de fazer exercícios em uma academia e se empanturrar de porcarias? Se o seu objetivo é "repor as energias" uma água de coco está de bom tamanho não?

            "Vai amiga, escolhe alguma coisa também. Eu pago"
        "Mmm, tá! mas da próxima eu pago...Deixa ver o que eu vou querer...Mmm...É, vou querer um cafézinho, dois pães de queijo...e um pedaço daquele bolo ali" Ela indica o bolo de prestígio. Caminham para a mesa na frente da minha, equilibrando os pedidos nas mãos e sentam-se. Devo lembrar a você, caro leitor, que o espaço é realmente pequeno e eu não sou surda, logo escutei sem me esforçar o que conversavam.

Então, entre uma mordiscada e um suspiro de prazer pelo que colocavam na boca, elas começaram a observar os transeuntes. E como em um passe de mágica, aparentemente só mulheres mais jovens e  magras que elas passavam despretensiosamente pela rua, algumas até tomando sorvete. Muitas claramente voltando de seu horário de almoço. Claro, o fator chuva de mulher mais jovem e magra não passou desapercebido pelos olhos delas.
           "Credo, precisa usar calça jeans skinny daquele jeito?"
           "Essa moda só favorece modelo esquelética"
           "Olha aquela outra ali que ridícula" Comentou enquanto enchia a boca de bolo de doce de leite.
           "Essas vadias são magras de ruim"
           "Verdade amiga"

"Vadias magras de ruim". 

Talvez porque não comam doce de leite após fazer academia.

Tá faltando coerência no mundo. Só eu sinto isso? A humanidade não anda um bicho fácil ultimamente.

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